Querido diário, hoje eu escovei os dentes, penteei o cabelo e tomei banho, não uma, não duas, não as três vezes que eram a média diária, mas umas duas ou três vezes três. Não, diário, não por higiene exacerbada em tempos de pandemia mas como entretenimento. Como não consigo estudar, não consigo trabalhar, não termino nem um episódio curto de série, em certos momentos ou dias não estou conseguindo nem cozinhar algo além de mexer um ovo e fazer duas torradas, então coisas como tomar banho, um banho demorado, lavando o cabelo e esfregando bem entre os dedos do pé, se torna uma efetiva forma de obrigar o tempo a passar. Chega dia, acaba dia pra ver se já chega o dia em que já não haverá espera.
Outros momentos há, claro, que eu quero que o tempo passe devagar. Que pare. Para que não cheguem mais dores, mais perdas, mais mortes, mais corpos.
Em casa, de quarentena:
Quando você vinha com a cana eu estava voltando com a rapadura. Agora, porém, o engenho está parado.
Status: revirando cinzas atrás de alguma brasa.
Saber que os dias continuam a passar apenas porque lá fora foi noite, já se fez dia, novamente noite e já amanhecia outra vez.
Consegui ver um filme. Um “desenho animado”, como se dizia antigamente. Aliás, rever. Tenho percebido isso, tem sido mais fácil me concentrar no que já conheço, seja filme, seja livro.
Comecei o revezamento dos ventiladores. um pro dia, outro pra noite e torcer pra nenhum queimar. Tem ar condicionado no meu quarto mas eu estou evitando ligar porque tenho medo da conta de energia. Eu tô bem preocupada com esse negócio de grana.
É melhor morrer de vodka do que morrer de tédio, disse Maiakovski. Brindo a isso enquanto acontecem-me coisas surreais. Segue o meu perfil quando me vejo assim: cara a cara comigo mesmo. Ou seja, meio de lado. Um mosaico com rachaduras evidentes. Nostálgica, mas disfarço com o riso fácil. Leio de tudo e com desespero. Escrevo sem vírgulas, pontos ou educação. Dou um boi pra não entrar em uma briga, o resto já se sabe. Considero importantíssimo saber rir de mim mesma. Nem que seja pra me juntar ao grupo. Certa da solidão, fui me acostumando a ser boa companhia. Às vezes faço de conta que sou completa, geralmente com uma taça na mão. Bebo cerveja, bebo vinho e, depois das músicas italianas, bebo sonhos. Holanda, por parte de mãe e de Chico. John Wayne, por parte de pai. Borboleta e Graúna por escolha e história. Tenho uma sacola de viagem permanente no meu juízo e a alma, de tão cigana, não para em palavra nenhuma. Gostaria de escolher meus defeitos, mas não dando certo isso, continuo teimosa. Não sei usar a nova regra ortográfica. Nem a velha, talvez. Amo desvairadamente. E tento comer devagar. Sei lá, pra compensar, talvez. Tem gente que tem a cabeça no mundo da lua. Eu não. Quando vou lá, vou toda. Sou questionadora, mas aceito qualquer resposta. Aspecto físico? Língua afiada e olhos cor de saudade. Gosto de fazer o que eu gosto. No mais, preguiçosa. Sabia o que é culpa, mas esqueci. Nada mais a dizer, prefiro andar de mãos dadas. E dormir acompanhada. Mas, bom, bom mesmo é sal, se você já leu Verissimo.
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Banho como entretenimento: pratico também.
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