Festa de debutante, que coisa cafona, bufava enquanto deixava pra trás a casa iluminada, a sala barulhenta, os balões prateados, o bolo em camadas, as lembrancinhas com tule e mais um tanto de coisas insuportavelmente datadas. Ok, riu de si mesma, talvez esse posicionamento enfático tenha chegado um pouco atrasado, agora que ela tinha fitinhas no cabelo e dinheiro na caixinhOPA, sapatinho apertado e memória de uma valsa. Só não pensava em reclamar do vestido tão branco com aqueles delicados apliques em violeta e um decote maior do que acreditara que a mãe permitiria. Agradava-lhe rodopiar e ver a saia afastar-se e voltar a enrolar em suas pernas fortes. Era uma tontura boa, não sabia se do giro ou do roçar do pano na pele. Foi justamente por isso que, dissimulada, escapou da festa. Queria rodar, mas não fica bem pra uma mocinha. Nem tirar os sapatos apertados e enfiar os dedos na grama morna que se estendia ao redor da casa da chácara, na família há dois anos a mais que ela. Nem correr até ficar ofegante. Nem, nem, nem, ela era muito ciosa da vida adulta que almejava. Mas o balanço, hein? perguntava a vozinha no peito que pelejava pra escapar do vestido tão alvo. O balanço não precisa ser sinônimo de infância, a vozinha argumentava. Sucumbiu. A árvore centenária ficava ao lado da casa, convenientemente distante dos olhares que escapassem pelas janelas. Com uma dose extra de esforço, tentou mover-se sem ansiedade, os pés atropelando-se em curtos passos marcados. Devia fazer uma figura bonita, pensou, aquele breu ao redor e seu vestido branquinho em movimento. Parou, pouco antes do balanço, com a impressão de ter visto algo se mexendo próximo às grossas raízes. Um passarinho? Um passarinho machucado, arisco, macio, que ela pegou delicadamente e apertou contra o decote. Calma, calminha, sussurrava. Sentia o pássaro sossegar enquanto seu coração se acelerava. Sentia o cheiro da grama machucada e na pele o gelado da brisa da noite. Parecia que percebia como nunca antes. Macio, o passarinho era macio e por baixo das penas arrepiadas e das poucas carnes trêmulas sentia o fino dos ossos. A respiração lhe parecia mais curta e acelerada, e a batida do seu coração bombeava sangue que ecoava no ouvido. Sentia-se excitável, tudo ao redor lhe parecia exigente embora não lhe viessem palavras pra definir a demanda. Sabia que precisava, sim, muito, não sabia do quê. Sentia o bico áspero do passarinho roçar-lhe o colo e comprimiu as coxas uma contra a outra. Umedeceu os lábios e sentiu os mamilos respondendo como se, como se, como se, como se, ela sabia coisas, claro, já se esfregara nos primos todos e sorvera a língua de umas tantas amiguinhas. O pulsar nos ouvidos aumentava, o passarinho se debatia inquieto entre seus dedos, havia lua, como ela podia não ter reparado? e aquele ofegar rouco era dela mesmo que vinha, ela queria, ela precisava, as coxas mais apertadas, o corpo tenso, tão macio o passarinho, queria, ah, queria, não planejou, não pensou, apenas torceu forte o pescoço do pássaro, estremeceram juntos, ela escorregou, mole, do balanço pra chão, seu vestido tão alvo e com apliques violeta decerto ficaria manchado.
Aquele texto um tanto tosco feito apenas pra usar adjetivos à larga e outras palavras que não conseguimos encaixar na comunicação trivial
Publicado por Borboletas nos Olhos
É melhor morrer de vodka do que morrer de tédio, disse Maiakovski. Brindo a isso enquanto acontecem-me coisas surreais. Segue o meu perfil quando me vejo assim: cara a cara comigo mesmo. Ou seja, meio de lado. Um mosaico com rachaduras evidentes. Nostálgica, mas disfarço com o riso fácil. Leio de tudo e com desespero. Escrevo sem vírgulas, pontos ou educação. Dou um boi pra não entrar em uma briga, o resto já se sabe. Considero importantíssimo saber rir de mim mesma. Nem que seja pra me juntar ao grupo. Certa da solidão, fui me acostumando a ser boa companhia. Às vezes faço de conta que sou completa, geralmente com uma taça na mão. Bebo cerveja, bebo vinho e, depois das músicas italianas, bebo sonhos. Holanda, por parte de mãe e de Chico. John Wayne, por parte de pai. Borboleta e Graúna por escolha e história. Tenho uma sacola de viagem permanente no meu juízo e a alma, de tão cigana, não para em palavra nenhuma. Gostaria de escolher meus defeitos, mas não dando certo isso, continuo teimosa. Não sei usar a nova regra ortográfica. Nem a velha, talvez. Amo desvairadamente. E tento comer devagar. Sei lá, pra compensar, talvez. Tem gente que tem a cabeça no mundo da lua. Eu não. Quando vou lá, vou toda. Sou questionadora, mas aceito qualquer resposta. Aspecto físico? Língua afiada e olhos cor de saudade. Gosto de fazer o que eu gosto. No mais, preguiçosa. Sabia o que é culpa, mas esqueci. Nada mais a dizer, prefiro andar de mãos dadas. E dormir acompanhada. Mas, bom, bom mesmo é sal, se você já leu Verissimo. Ver todos os posts por Borboletas nos Olhos