Trago uma mala permanente no pensamento, cigana e bandoleira que sou. Mas quando paro, retorno ao aqui que é tão meu. Tão eu. O lugar que me recebe, sempre, tem cheiro de sal. Fico porque é perto do mar e dele preciso pras partes áridas do viver. Porque o ritmo na fala me encanta, porque há abraços fáceis, redes na varanda e cafuné. Fico porque há nas palavras únicas, uma magia que só quem cresceu no chão rachado pelo sol, entende: lundu, chamego, cangote, remexer, rebolar. Fico porque os dias são longos e as noites são claras. Porque o vento assanha os cabelos e os desejos. Fico porque as comidas têm gosto de saudade e as saudades têm promessas de encontro. Fico porque há olhos que me viram tanto que agora me vejo neles. Porque há quem me entende inteira e o que não entende, ama. Fico porque o café é forte, as mangas são doces e o feijão é verde. Porque quando chove a terra tem cheiro de alegria, as pessoas rodopiam sob a água e há mais riso e mais verde. Fico porque há dança e o forró é ajeitar um corpo no outro como se viver fosse em encontros. Fico porque se fala alto e se ama fácil. Porque o céu se avermelha em adeus todas as tardes. Porque se canta fácil e sempre. E nem todo mundo é Bethania, mas ela há. Porque por aqui já foram Rosa, João Cabral e Patativa. Porque há um Gonzaga em cada lua. Fico porque há varandas, cadeira de balanço e vizinhança pra prosear. Fico porque, aqui, as minhas certezas: padaria, farmácia, emergência, bar. Porque os problemas já são íntimos: trânsito, varrer pó de asfalto, lado do sol. Porque sei os atalhos: onde cobrir um botão, onde comprar papel laminado, onde consertar uma bolsa. Porque conheço os intervalos. Há sempre um céu e um mar a me refletir. Porque aqui há cerveja entregue em domicílio e colos à vontade. Fico porque posso deitar encolhida e saber que a minha dor tem canto certo. Porque posso gargalhar na janela e ouvir o eco. Porque, aqui, mesmo as ruas desconhecidas já são tão minhas antes mesmo de chegar lá. Fico porque a família é grande. Porque a dor é pequena. E tanto escrevo quando em imagem seria mais simples, há um filme que em seu nome já resume: Viajo porque preciso, volto porque te amo.
Estando
Publicado por Borboletas nos Olhos
É melhor morrer de vodka do que morrer de tédio, disse Maiakovski. Brindo a isso enquanto acontecem-me coisas surreais. Segue o meu perfil quando me vejo assim: cara a cara comigo mesmo. Ou seja, meio de lado. Um mosaico com rachaduras evidentes. Nostálgica, mas disfarço com o riso fácil. Leio de tudo e com desespero. Escrevo sem vírgulas, pontos ou educação. Dou um boi pra não entrar em uma briga, o resto já se sabe. Considero importantíssimo saber rir de mim mesma. Nem que seja pra me juntar ao grupo. Certa da solidão, fui me acostumando a ser boa companhia. Às vezes faço de conta que sou completa, geralmente com uma taça na mão. Bebo cerveja, bebo vinho e, depois das músicas italianas, bebo sonhos. Holanda, por parte de mãe e de Chico. John Wayne, por parte de pai. Borboleta e Graúna por escolha e história. Tenho uma sacola de viagem permanente no meu juízo e a alma, de tão cigana, não para em palavra nenhuma. Gostaria de escolher meus defeitos, mas não dando certo isso, continuo teimosa. Não sei usar a nova regra ortográfica. Nem a velha, talvez. Amo desvairadamente. E tento comer devagar. Sei lá, pra compensar, talvez. Tem gente que tem a cabeça no mundo da lua. Eu não. Quando vou lá, vou toda. Sou questionadora, mas aceito qualquer resposta. Aspecto físico? Língua afiada e olhos cor de saudade. Gosto de fazer o que eu gosto. No mais, preguiçosa. Sabia o que é culpa, mas esqueci. Nada mais a dizer, prefiro andar de mãos dadas. E dormir acompanhada. Mas, bom, bom mesmo é sal, se você já leu Verissimo. Ver todos os posts por Borboletas nos Olhos